Cemitérios, locais de registro e memória

Com a aproximação do dia de finados chega o momento em que as pessoas se dirigem aos cemitérios para prestarem suas homenagens aos seus entes queridos. Para a maioria delas esse é o único momento do ano em que visitam aquele campo santo. Seja por uma questão da imagem sombria do local ou da segurança.

O cemitério permanece quase sempre vazio de visitantes e até mesmo de funcionários. A cidade dos mortos parece exclusiva a quem já passou a um outro plano, onde um ser vivo parece um intruso naquele recinto, incomodando quem quer descansar.

Isso contribui para que os cemitérios em Caxias estejam sempre em péssimo estado de preservação. E mais grave. Sem fiscalização, sem controle e sem saber a quem cobrar, muitos túmulos estão sendo destruídos por vandalismo ou interesses comerciais. Sepulturas centenárias e de personalidades ilustres estão sendo removidas para terem seu espaço vendido a novas covas. O que constitui um crime e um desrespeito aos restos mortais e as famílias.

Obviamente o cemitério não é um espaço público para recreação e sociabilidade. Tem uma função especifica que é a de repouso do corpo físico e de preservação da memória por parte de seus familiares. Acontece que essa concepção vem mudando nos últimos anos pelo mundo, inclusive no Brasil, que é a da arte tumular e o patrimônio cultural funerário. Os cemitérios possuem um importante acervo histórico, quer seja com túmulos repletos de elementos arquitetônicos ou como locais como fonte de pesquisa para historiadores. O cemitério, assim como centros históricos, pode ajudar a contar e manter a história local.

O cemitério mais famoso do mundo é o Père-Lachaise, a terceira maior atração turística de Paris, perdendo apenas para a Torre Eiffel e o Museu do Louvre. Isso se dá pela sua beleza e organização das vielas sendo a maior área verde da cidade, maior do que os parques parisienses de sua área central. Além disso, está repleta de sepulturas de famosos, como escritores, filósofos e artistas mundiais. Outro famoso cemitério nos roteiros turísticos é o Cemitério da Recoleta, situado neste bairro nobre de Buenos Aires.

No Brasil, o Cemitério da Consolação, em São Paulo, é a maior referência da arte tumular brasileira. Além dos túmulos de Presidentes da República, Barões, militares e outras importantes figuras brasileiras, estão: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Luís Gama, Monteiro Lobato e Tarsila do Amaral. Mas o que atrai visitantes até a Consolação é o acervo artístico que compõe as sepulturas. O mausoléu da família Matarazzo é o maior da América Latina, se assemelhando a um palacete repleto de esculturas. Ali estão obras de Victor Brecheret, Amadeu Zani, Francisco Leopoldo e Silva e do caxiense Celso Antônio Silveira de Meneses.

Esse tipo de visita a cemitérios para além de homenagens aos mortos já chegou ao Maranhão. O Cemitério do Gavião, o mais tradicional de São Luís, realiza há mais de dez anos o ‘Cemi Tour’, passeio para a visitação de seu acervo tumular. Igualmente como os já citados, o cemitério da capital maranhense possui rico adornamento de sepulturas dos séculos XIX e XX< além de ilustres como Benedito Leite, Aluísio Azevedo, Joaquim de Souza Andrade, Bandeira Tribuzzi, entre outros.

 

Os cemitérios de Caxias

Caxias também tem seus cemitérios que fazem parte do acervo tumular do Maranhão. Os que se destacam são o Cemitério de São Benedito (1858/1861) e o Cemitério dos Remédios (1858/1862), ambos na área central da cidade.

As sepulturas dos coronéis e de famílias importantes daquele período eram ricamente talhadas em pedras como a lioz, trazidas da Europa. Outros elementos como gradis de ferro, esculturas e até azulejos portugueses revestiam e ornamentam os túmulos dos caxienses. O Cemitério dos Remédios por exemplo, era decorado por cerca de oito esculturas de porcelana europeias que ficaram ao longo do campo santo. Além do acervo tumular se destaca a sua capela, mantida ainda hoje na forma original, inclusive com seu piso de ladrilho de barro.

Apesar dessa riqueza histórica cultural caxiense a situação dos cemitérios da cidade é preocupante. A falta de vigilância e gestão administrativa foram determinantes para a perda de parte de seu acervo. Essas esculturas de porcelana foram destruídas por vândalos, restando apenas um único exemplar, atualmente em exposição permanente no Memorial da Balaiada. Outras esculturas que decoravam jazidos e que corriam o risco de serem roubadas ou destruídas, decoram a parte de cima da Academia Caxiense de Letras.

Outra irregularidade recorrente nos nossos cemitérios centenários é a venda de terreno para novas sepulturas, o que criou uma irregularidade em seu terreno, sendo impossível o trânsito entre sepulturas. Em muitos casos é necessário subir em determinado jazido para se chegar a um ponto do cemitério. Essa venda desordenada vem destruindo outras sepulturas, geralmente as mais antigas e ricamente ornamentadas.

Desde o inicio de 2019, a associação Amigos do Patrimônio Caxiense fez a denúncia da destruição das sepulturas e vem tentando uma parceria com a Prefeitura Municipal para fazer a catalogação das sepulturas de interesse histórico para garantir a sua preservação. A associação se dispôs a formar um corpo técnico com arquiteto e estudantes de arquitetura e história para realizar os trabalhos. Mas até a conclusão deste artigo, há quase dois anos, a Secretaria de Cultura, órgão municipal responsável pelo acervo histórico de Caxias, não enviou os materiais necessários para esse trabalho. Além da falta de registro desses jazidos históricos, os cemitérios permanecem sem proteção legal. 

O risco da perda do acervo patrimonial funerário de Caxias é iminente. Quer seja pela ausência de gestão patrimonial ou administrativa dos cemitérios. Assim como os imóveis do centro histórico, a arte tumular caxiense está sumindo. 

 

Cemitério da Consolação. Lado direito o túmulo de Lydia Piza de Rangel, com a escultura Mulher Inclinada, de Celso Antônio. Imagens: Eziquio Neto.

 

Cemitério dos Remédios, um dos mais bonitos do Maranhão, conforme relatório elaborado pelo IPHAN-MA, na década de 1990. Imagem: Eziquio Neto. 

 

Cemitério dos Remédios, um dos mais bonitos do Maranhão, conforme relatório elaborado pelo IPHAN-MA, na década de 1990. Imagem: Eziquio Neto.


 

 

 

 

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